Cigarro



Cigarro

Certo dia estava eu: levantando de uma madrugada não deitada, passada uma noite em claro apenas pensando na única coisa possível em um momento desses: cigarro. As seis da manhã atrás de cigarro, na infantil ilusão fui vasculhar minhas coisas enquanto a TV ligada vomitava freneticamente a notícia da semana: a morte de um cantor ofuscado que _certamente vai virar um santo, astro e... _ dane-se, não havia nada em canto algum! Nem uma bagana mofada no cinzeiro.
Seis e meia, deve haver algo aberto, pensei. Saí em busca do cigarro: o mercadinho da rua, fechado; descendo a ladeira, fechado; no beco mais perigoso, fechado, em meio a isto verifico uma criança, acordada tão cedo, no pátio de uma pequena casa, observando a rua do portão sem ninguém pra brincar e com as grades fechadas... saindo do beco surge o tão desejado mercadinho aberto, bato, bato, só ouço reclamações de uma mulher, supostamente brigando com seu marido, ou filho. _ "Que é?" _educadamente me responde no calor do momento _ "tem cigarro?" _ retruco instantaneamente _"agente não vende cigarro"_ uma raiva súbita e inexplicável me sobreveio (das que só os fumantes conhecem) que contive para me despedir. _ "Que diabos um mercadinho desses sem cigarro? Serão evangélicos?"_ Prossegui, e nada, quase no fim do caminho me deparo com um senhor sentado nesses bancos de frente de casa, que introspectivo a minha presença ou a qualquer coisa apenas pensava e olhava o horizonte, queimando no sol matinal com os seus cabelos grisalhos, e eu, 23 anos, só pensava que queria cigarro.
Quanto mais eu andava, mais me recusava a desistir pela ridiculariedade daquela cena, e por ser ainda mais ridículo desperdiçar aquele já ridículo esforço realizado em vão. Me sobreveio sem motivo a lembrança do cantor falecido mas parei, e percebi naquele instante que nem no inferno eu encontraria esta preciosa droga por aquele lugar, mesmo porque já eram 7 horas! Voltei para pegar o carro me perguntando por que não havia feito isso antes. Agora, 20 minutos andando rápido, voltando e dando de cara com os mesmos estabelecimentos fechados, naquele domingo inesperadamente de sol. Chego em casa, já irritado, suado, sem dormir a mais de 24 horas.
Chaves, abrir portão, entro no carro e lá eis que: uma metade de um Carlton que havia sido apagada por causa de uma chuva! E estava todo o tempo lá! Esperando por mim, para  naquele momento se tornar o cigarro da minha vida e a redenção das minhas angústias! Era eu ali estupidamente extasiado de emoção por um maldito cigarro pela metade! E eu o fumei! E enfim poderia quem sabe, dormir em paz.


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